terça-feira, 7 de outubro de 2014

Dos filmes sobre solidão parte III - Planeta Solitário


    
     No planeta, um turbilhão de histórias acontecem a cada segundo. As pessoas interagem criando uma rede incontável de conexões, poucas delas se tornam motivos para o audiovisual.
    Quando alguém me diz: "Tudo já foi escrito, contado, filmado" imediatamente penso "quanta estupidez!".  Pode até parecer mesmo que sim e quando comumente essa sentença é atribuída a fotografia, sempre proponho que essa pessoa fotografe um tema (objeto, paisagem) com intervalos de tempo definidos e o resultado mostra que nenhuma foto é igual à outra. Há uma mudança entre elas: Um tom, a luz, um movimento aconteceu. O mesmo vale para seres humanos (é de se esperar). Somos atingidos por todos os lados, estimulados a cada respiração por eventos dos mais "insignificantes" aos mais notáveis. A diferença é que enquanto uns enlouquecem, outros se aborrecem e há aqueles que se divertem e aproveitam, outros seculpam. Muitas possibilidades, muitas individualidades.
    Planeta Solitário parece um troca-troca de cenários onde, três personagens andam muito e não chegam a lugar nenhum. O filme acompanha a jornada de um casal, Alex e Nica, noivos prestes a se casar, durante uma “mochilada” de férias e, para isso, contratam Dato como guia. Assim, os três partem por uma extensa caminhada pelas montanhas da Georgia.


      O filme não propõe apontar a já óbvia fragilidade dos personagens inseridos na natureza perigosa, mas a fragilidade do relacionamento do casal. Enquanto a dupla no inicio da caminhada se diverte e contempla a paisagem e o ser amado, quando o clímax se instaura Nica vê seu noivo se transformar em um desconhecido, agora covarde e fraco, diluindo a confiança e quebrando o encantamento da união.


      Como não nascemos prontos, precisamos aprender com as experiências. O casal se separa ou tenta restabelecer, o que for possível, daquilo que os mantinham conectados?
    Nessas carnes humanas tão distintas habitam desvios de caráter tão profundos, mas perceptíveis, quando não analisados pela ótica da superficialidade
      Os Cascavelletes cantam:"Lobo da estepe, acredito na tua dor" e por trás da dor só há solidão, a compreensão do outro sempre é fragmentada, por mais que se tente entender a dor alheia, isso nunca será interpretado com riquezas de detalhes, porque ela passa pelo filtro das experiências individuais. O mesmo evento pode infligir dores impares e criar rígidas oposições.
      O filme dói pra quem permanece na zona da superficialidade, que acredita que o único papel do cinema é tratar da beleza, da jovialidade, do frescor, da diversão e do entretenimento. Dói porque é insuportável perceber em nós o mesmo que a tela apresenta: A fraqueza quando as expectativas se esvaem, os sonhos e as certezas diluídos por eventos tão efêmeros, ser obrigado a fincar os pés no chão dessa paisagem potencialmente turística, mas verdadeiramente perversa, selvagem e desconhecida, assim como a natureza humana.
      Não há volta para nossas escolhas .


   No fim, tudo o que resta é o instinto. Em seu cerne, o individualismo, não necessariamente de tom egocêntrico, mas primitivo (como mecanismo que garante a sobrevivência nesse inóspito lugar) entram em conflito com aquilo que a tal civilidade propõe, a gentileza e altruísmo. Questões morais são secundárias. As teorias vêm depois das realidades internas.
      As dores são fardos individuais, nós que as vezes insistimos em dividir tudo com outra pessoa pra no final perceber que estamos sozinhos nesse planeta solitário. 

terça-feira, 15 de julho de 2014

Dos filmes sobre solidão parte II - The Brown Bunny



     Silêncio...alguns murmúrios...uma dor insuportável. 
   O filme é isso, uma trilha magistral embala longas viagens de carro seguida de silêncio perturbador. Bud é o homem ferido e solitário, que aprendeu a ser evasivo. Um espaço completamente anulado, onde habitava seu coração, perdeu o sentido sem a doce e inconsequente Daisy.
  Vincent Gallo, o másculo ator, cantor, artista, prostituto e delicioso galã é o protagonista Bud, com resquícios perceptíveis dele mesmo. Chloë Sevigny é Daisy, a margarida que transformou a vida de Bud numa estrada sem qualquer destino, tão extensa e não pavimentada que deixa qualquer espectador curioso em entender o quê diabos essa criatura fez para Bud viver atormentado com tamanha amargura e sofrimento.
    A vida perdeu sentido. Bud só se importa em expandir a dor, afim de dissipá-la com novas experiências. Busca em novas relações preencher o vazio que o perturba, despovoar os pensamentos dos fatos que mataram sua paz.
    Surpreendentemente, ele encontra três flores pela estrada - Rose, Violet e Lilly – ambas habitadas pelos demônios da tristeza, da aflição e da melancolia. Bud procura nelas aquilo que Daisy (a flor margarida) fez questão de deixar em falta. Ele não encontra. O norte não é apontado na bússola. Ele se perdeu na desilusão. Está a deriva.
    Este é o segundo longa de Vincent Gallo como diretor e ator (o primeiro: Bufallo 66).  Brown Bunny retrata a desilusão em sua forma mais perversa, desencadeada em uma forte solidão que o protagonista consegue identificar e tenta reverter, criando situações que eventualmente nos inserem em atmosferas mais positivas, mas o retorno à fossa é irremediável. Bud inclusive retorna a casa dos pais de Daisy, onde a mãe desta cria um coelho marrom que dá nome ao filme. Sua carne exerce as atividades cotidianas enquanto sua alma, em frangalhos, se dissolve em um potencial veneno mortífero.
     Brown Bunny é reconhecido, infelizmente, por sua cena de sexo explícito no final. Um desfecho que se sobressai à totalidade da obra para quem não se propõe a apreciar o filme. O importante para compreender Brown Bunny é dar atenção àquilo que finalmente Bud expressa no final do filme, suas confissões para a amada antes da cena sexual. A “boca na botija” vem ser uma tentativa de controle do macho que não aceita sua fêmea em outros braços, seu ato revela uma necessidade de marcar território. Sua dor é irreversível...sua margarida já não pode ser submissa...ela já não pode amar...tudo é irreversível.
                                                    

      A trilha possibilita uma experiência auditiva incomparável. Vincent Gallo escolhe com muito bom gosto o repertório musical de seus filmes. Gordon Lightfoot - Beautiful embala um dos momentos mais bonitos do filme, em que Bud dirige pela estrada numa tarde chuvosa enquanto o radio ligado gradativamente revela a canção. Com sua voz grave, uma melodia majestosa, letra de amor e contemplação do ser amado, Lightfoot proporciona um momento de prazer mergulhado na aflição do protagonista. Nunca ouvi uma canção tão maravilhosa como essa. John Frusciante também compõe a trilha sonora, mas não aparece no filme, apenas recheia o disco, INFELIZMENTE.


É quase impossível dissociar Gallo de polêmicas. Ele é o artista contemporâneo que nunca tira férias. Inclusive aqui, além de vender sua arte, camisas, livros e fotografias ele também negocia seu tempo, corpo e esperma por uma quantia astronômica. Claro que ainda tenho esperanças, mas falta muito. 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Dos filmes sobre solidão parte I - Movern Callar (2012)

  Curiosamente, a cerca de 5 anos, comecei uma odisseia em busca de filmes que tratassem da solidão. Tive a sorte de encontrar alguns muito bons, inclusive dignos de fazer parte de um top 10 sem remorso.
  Movern Callar não foi o primeiro nessa aventura, mas escrevi o texto abaixo a um tempo e vou começar com ele as postagens "dos filmes sobre solidão".
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  O que você faria diante da morte de alguém com quem você convive e ama demais? Choraria? Iria ao enterro todo vestido de preto? Faria mil orações? Viveria um luto indeterminado?
   Aposto que seria julgado impiedosamente alguém que não se utilizasse desses mecanismos para expressar a dor diante da perda, superando qualquer expectativa do senso comum. De certo, alguém que não age assim só pode ser um sem sentimento e de escrúpulos mínimos. Ou não. 
   Samantha Morton é responsável por interpretar Morvern Callar.
  Morvern surge de águas turvas, apática e anêmica, um personagem que parece ser dona de uma insensibilidade repulsiva e desprendida de qualquer noção de ética. 
  A história apresenta a protagonista acordando na manhã de natal e encontrando seu namorado morto no chão, entre a cozinha e a sala, enquanto as luzes na árvore de natal piscam debochadamente.

                                    

 Antes de qualquer lágrima ou de qualquer desespero, Morvern percebe que o namorado deixou um recado na tela do computador, afirmando seu amor por ela. Tudo isso é lido rapidamente até descobrir que há também um novo romance escrito e finalizado, para que ela pudesse publicar postumamente.
  O que faz a simples balconista de um supermercado diante desse romance promissor? Troca o nome do autor pelo dela e o intitula "O Romance de Morvern Callar". 
  Tarefa de apropriação concluída, Morvern parte para a venda do escrito que nunca se deu ao trabalho de ler.  Enquanto isso o corpo do seu namorado apodrece na casa. Então, um dia de faxina torna-se um ritual de limpeza da alma. Esconde os vestígios do suicídio, dá fim no corpo e decide voltar a viver. Lágrimas? Pra quê?
  Esse acontecimento acaba tornando minha heroína cada vez mais mergulhada na obscuridade, trancafiada em um mundo soturno e de pouca esperança, refletidos em sua expressão sempre séria habitado em sua postura rígida. Mesmo recebendo uma boa quantia em dinheiro com a venda do romance, além daquilo que o falecido deixou no banco, Morvern não sorri, não expressa qualquer tipo de alegria verdadeira. Sua viagem, suas festas, as noitadas regradas de álcool e sexo, até mesmo a companhia da melhor amiga não conseguem derrubar o muro do isolamento que ela própria criou em torno de si.
   Ela caminha acompanhada, permanecendo sozinha. 
   É crueldade julgar essa moça de 21 anos por ter se apropriado do texto de seu namorado suicida? No texto deixado por ele no computador a frase "Seja Forte" foi levada a risca por Morvern. Ela publicou o texto "dele" em seu nome por este ter deixado de existir, mas não seria mais proveitoso publicar em nome do verdadeiro autor e ganhar maior notoriedade devido ao fato do suicídio? Talvez a experiência do reconhecimento, pelo qual Morvern nunca passou, a tenha incentivado a tomar tal atitude. Ela permaneceu ativa em um jogo sorrateiro entre o oportunismo e o último desejo do namorado.
  O filme nos coloca em questionamento contínuo. Deve-se estacionar a vida em uma esquina lúgubre e perecer ou se permitir viver de forma mais confortável e despreocupada, pouco importando os meios? Não basta declarar Morvern como uma mulher "fria e calculista", ela é uma sobrevivente, uma combatente na selva de pedra que não lhe deu muitas oportunidades e, quando a premiaram, não havia como recusar. 
  Sem coitadismos, apenas uma respiração mais funda pra continuar sobrevivendo.

30.06.2011 - Editado

Oslo, 31. August - Oslo, 31 de agosto


     A Oslo da infância/adolescência, é “reconstruída” com relatos fragmentados, cenas antigas e trilha suave. Um mosaico de momentos felizes agora envolto por nostalgia e desesperança. 
      De cara, uma tentativa frustrada de suicídio nos é apresentada. Aquela velha tática à estilo Virginia Woolf de encher os bolsos com pedras - não tão pesadas quanto a consciência do protagonista - e finalmente, atirar-se no rio dá o rumo para Anders matar todos os seus demônios e as consequências de seus atos. Então, o que levaria um rapaz, no auge de sua jovialidade, a tomar tal decisão?
   Aos olhos da sociedade ter boa família, boa aparência e inteligência é o suficiente para estar satisfeito com a vida. Anders parte deste princípio e nos expõe a face deteriorada pelo remorso, culpa e a falta de prazer para restabelecer sua vida depois de ter-se afundado nas drogas.  
       Sua relação intermitente com entorpecentes parece finalmente ter encontrado seu ponto final e este saí da clinica de reabilitação para uma entrevista de emprego em Oslo, sua cidade natal.
  Lá, resolve reencontrar um amigo e neste momento, desenvolvem-se belas conversas (profundas e até filosóficas) acompanhadas de maravilhosa atuação. Ver seu amigo em uma relação estável, com filhos e com bela aparência o deixa ainda mais envergonhado com sua condição de loser, mas aos poucos fica nítida a verdadeira condição do amigo, que também tem do que se queixar, descrevendo seu dia-a-dia e seus sentimentos diante da própria realidade.
     Anders finalmente desloca-se para a entrevista. Lá, sem ao menos dar uma chance a si mesmo, joga seu currículo no lixo depois de uma conversa embaraçosa onde precisa revelar o porquê de um período tão grande de ociosidade e improdutividade. Acredito que esse seja o ponto chave do filme, onde o “destino” de Anders é fatalmente decidido.
    Pela cidade, percorre os caminhos já conhecidos, até reencontrar-se com velhos amigos ou velhos fantasmas. Adquirindo drogas, bebendo, perambulando por baladas e festinhas, chega a uma piscina, acompanhado por uma bela garota, mas decide não mergulhar aquelas águas, afinal sua viagem deve ser solitária e privada.
    Então, depois de uma cena belíssima de Anders ao piano, a inevitável entrega às drogas acontece...
     "Oslo, 31 August" é uma história de escolha do diretor Joachim Trier. Nela, o protagonista tem 24 horas pra decidir se quer viver ou entregar-se à morte. O filme tem um ritmo gostoso, apesar de que, para a maioria, vá parecer lento e chato, mas é intercalado por ótimas canções pop's e bela fotografia.

 Publicado em 22.06.2012 - Editado